Songs from the archive - Natalie Feldesman
10 Jun - 1 Jul 2023
O conceito de lembrar parte do princípio de que sabemos que em nós pré-existe todo o conhecimento. No centro de "Songs from the archive" uma entidade floral digital canta e encoraja-nos a recordar activamente, a usar os nossos corpos para extrair o conhecimento que temos em nós, reaproximando-nos dos nossos instintos animais. A entidade composta por vídeos de arquivo de flores e da natureza, digitalizados a partir de filme, canta uma série de perguntas e respostas, geradas numa conversa com o chat GPT. As questões colocadas ao algoritmo são ingénuas: ironicamente “Como é que eu lembro?” procura encontrar formas de reclamar a nossa mente e os nossos pensamentos, sejam eles pessoais, colectivos ou partes de convicções históricas.
Como podemos recuperar a nossa consciência e o equilíbrio entre o nosso corpo físico e o digital, como nos podemos reconectar com as relações que mantemos com o mundo - sejam elas com seres humanos, formas de vida orgânica, tecnologias e outros?
Estamos constantemente a arquivar as nossas almas na cloud. Fazemos o upload das nossas memórias, destinadas a viver para sempre no espaço virtual, submetendo assim a nossa informação aos detentores de poder. Somos mais pós-humanos que humanos e o wifi é o nosso oxigénio. De acordo com Jacques Derrida o arquivo não é um repositório neutro de conhecimento mas está entrelaçado com o exercício de poder e de controlo. O conceito “esquecer de esquecer” de Rosi Braidotti surge da sua crítica de modos de produção de conhecimento dominantes e do apagamento histórico de narrativas marginalizadas. Quando esquecemos determinado evento das nossas vidas, ou uma determinada pessoa, nem o evento nem a pessoa deixam de existir.
No espaço surgem relevos de gesso extraídos de imagens do cemitério, outro tipo de arquivo, que uma vez retiradas do seu contexto começam a assemelhar-se a monstros e outras criaturas que não reconhecemos. O arquivo e o cemitério servem ambos de sinalização da nossa conexão. Assim como pessoas e plantas atravessam um processo natural de composição e retornam ao solo, as memórias também se deterioram e desaparecem com o tempo.
Os recortes na madeira surgem da mesma imagética do cemitério, cujos espaços negativos se acorrentam uns aos outros: flutuando sobre um jardim de plantas espontâneas, recolhidas das ruas do Porto e replantadas em espuma floral que lhes prolonga a vida. Ao longo da exposição Itzik Mor fotografa o processo de deterioração das plantas em película a preto e branco, que mais tarde revela, imprime e instala as imagens no espaço.
Nas paredes surgem veios que se assemelham a figuras humanas ou animais de grande escala que evocam relevos arqueológicos.
O espaço é um memorial à memória, uma resistência contra o esquecimento, usando imagética icónica a fim de criar um espaço liminal entre o material
e o imaterial.
Natalie Feldesman