Boca de cena - Teresa Arêde
28 Mai - 18 Jun 2021
Aíon designa a intensidade do tempo na vida dos humanos. Mas o aíon que aqui se encontra é o das coisas. Este é o tempo de brincar, que não é o nosso, é o dos objetos e das ideias. Vamos recomeçar!
É uma constante voltar atrás, e recuperar algumas linhas para voltar a desenhá-las com lápis, gesso, barro, cerâmica, tintas, pigmentos...uma diversidade. É nesta diversidade de formas desenhadas que se abre, como numa “boca de cena”, um espaço para a representação, para a tolerância. É a primeira vez que se conta a história destas formas e linhas livres sem nome. Até aqui eram desconhecidas. Colaram-se fragilmente umas às outras sem se importarem com o que dizem delas, são ilógicas. No entanto são-nos dadas a percepcionar ideias de palcos, cenários, personagens e coisas, para que possamos agarrá-las antes de estas se precipitarem. A atmosfera que paira é sugerida por manchas aéreas que nos remetem para as alturas. Parece estarmos a sobrevoar um céu que passa de quente a frio, uma passagem quase que dramática, assim como acontece na ópera, e no som da encantadora sereia-ninfa que adiciona mais uma camada. Trata-se, segundo as palavras da artista, de uma possível acção de montagem de uma matrioska, aquela boneca russa que se esconde dentro de uma outra, e assim sucessivamente.
À metodologia de adição constante de “personagens” segue-se uma subtracção, como acção depurativa que pretende chegar a uma possibilidade de essência, a uma origem que ainda está dentro da caverna ou, mais radicalizado, do útero materno. A cor terra cota remete-nos para o solo que pisamos e para a cerâmica que seguramos nas mãos. É aquela cor que se esconde por baixo do verde da vegetação ou cobre superfícies de magnitude extrema. Ora se esconde ora se revela. Talvez seja essa uma das suas vontades, a de reiniciar algo, mas neste caso, satisfatoriamente inútil. Vamos recomeçar!
Susana Soares Pinto
Submergiu só para voltar um dia. Nos dois tempos que levaria a chegar ao chão. Os dois tempos numa nova camada seguiram lentos. Olharam ao espelho, no reflexo ao lado, reconheceram uma forma dúbia da própria pele. Então erraram a suposta velocidade do seu tempo. Enterraram as unhas nas franjas de um tal facto desconhecido, e escorregaram para outra coisa qualquer. Afinal não chegaram ao chão, ainda ferem. A coreografia é de grupo.
73 palavras para descrever um movimento, ocultando outra coisa qualquer. Queria forjar palavras como em cena, e sair impune. Era isso. Experimentar o seu sabor - duma coisa dita. É como se a coisa dita, fosse sempre coisa em movimento. E depois podia até despenhar-se, transformar-se num gás leve. Sendo atmosfera de ideia. Um delicioso sabor em agulhas finas que viajam, da boca e do corpo. Carregam ainda dúvida, mas não importa. Vêm dum palco. Se o palco sou eu, ou outro, até pode ser. E é sempre sobre liberdade. E as pernas querem é carregar atmosferas e anéis de gás.
Teresa Arêde