a tiny block of void, an empty sign or a cup of tea - Jiôn Kiim
17 Out - 30 Out 2020
No “Império dos Signos”, Roland Barthes apresenta-nos a maravilha etérea da tempura. A especialidade de origem portuguesa, mas refinada pelos japoneses, é “tão espetacular como alimentar, (...) um interstício sem bordos específicos, ou de novo: o signo vazio.” Para Barthes, é um espetáculo que esconde nas suas formas a performance do cozinheiro, um objeto onde a fronteira entre conteúdo e forma não está definida. Como a tempura, os trabalhos de Jiôn Kiim aparecem como signos vazios, “libertados de todos os laços a estados de linguagem pré definidos,” como puros atos de meditação. Numa procura por incerteza e júbilo, os seus trabalhos contornam interpretação e compreensão lógica, formando uma superfície de atenção ao momento presente, direcionada aos gestos e pigmentos que compõem a área pictórica.
Esta exposição reúne um conjunto de obras que afirmam o gesto artístico como um processo de cura, impermanente, vazio e transiente. Através de processos de criação e destruição artísticos, Jiôn Kiim procura atingir um estado fundamental de ser no momento presente – uma aceitação da imperfeição das coisas e dos espaços de vácuo e vazio, sem limites ou definições claras. É um estado de ser simplesmente, semelhante àquele da arte milenar do chá. Ao trabalhar, a artista pratica uma “only don’t know mind” (mente não pensante) – conceito ensinado pelo Mestre de Zen Seung Sahn –, isto é, um estado mental em que o sujeito não se deixa guiar pelos seus desejos e vontades. Distanciando-se, o sujeito observa-se, sem julgamentos apriorísticos.
Na prática de Kiim, isto traduz-se por uma evasão ao significado e à interpretação e por uma atenção à pura sensação das ferramentas artísticas, capaz de apanhar tons e vibrações fugazes do reino sensível. Tal estado aparece, por vezes, materializado na forma de pinturas e desenhos em que as ferramentas – pincéis, lápis de cera, lápis – se tornam auto-evidentes e em que a composição não dita um percurso de leitura óbvio, privilegiando a sensação – ambígua e incerta. Por vezes, é apenas um movimento – uma extensão formal da vitalidade do corpo; de outras, um arranjo de linhas e tonalidades aparentemente caótico aponta a essência da pintura – a força que liga o olho ao braço.
Nos nove desenhos de To sense as it is, Jiôn Kiim concentra-se num só objeto ideal – uma taça de chá. À medida que o objeto representado desaparece na sua representação, o seu propósito funcional dissolve-se na forma de tinta sobre o papel. Através da mera repetição a artista tenta recriar o estado mental de beber chá. A incerteza do processo de pintura – o acaso envolvido na dança do pincel com a água e a tinta – ecoa aquela vivida pelo ceramista que aguarda curioso a imprevisibilidade do barro saído das chamas.
Em The final editor of my own work, a artista segue a disciplina proposta por Agnes Martin ao apresentar uma composição de dois elementos esculturais: uma sua tela inacabada; e uma escultura de papel, construída por uma erupção de tiras de desenhos destruídos. Estas duas presenças materiais no espaço de exposição chamam a atenção para as derivas do processo de edição de um artista. Juntas criam um espaço de meditação, algures dentro do abismo que se estende entre o nascimento de uma obra de arte até ao momento da sua morte – e, depois, do seu renascimento.
Uma espera cíclica e meditativa para capturar formas – elas passam, e não ficam –, através de um infinito de possíveis combinações. A cristalização do vazio interior.
Referências:
Roland Barthes, “The Empire of the Signs” e “Writing Degree Zero”
João Pedro Amorim